Por Deloan Mattos Perini
Markus Schleinzer iniciou sua carreira como diretor abordando um tema bastante polêmico, a pedofilia. O filme austríaco, Michael (2011), relata a vida do personagem que dá nome ao filme. O longa foi inspirado em histórias reais ocorridas na Áustria: a de Josef Fritzl (1984-2008), em que o pai violentou a filha durante 31 anos e teve sete filhos com ela; e o caso de Natasha Kampush (1998-2006), que foi sequestrada e mantida presa por cerca de oito anos, também violentada por seu raptor.
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Cena de Michael |
Schleinzer faz um filme instigante, expondo o dia a dia de Michael e sua monotonia incomum. Trabalhador de classe média, corretor de seguros, o personagem divide sua rotina entre as atividades na empresa e seu relacionamento com um menino de 10 anos, que mantém aprisionado em um lugar secreto de sua casa, abusando física, moral e sexualmente. Porém, em outra parte do tempo, o relacionamento é próximo a um laço entre pai e filho: eles montam quebra-cabeças, veem televisão, decoram a árvore de natal, vão ao zoológico e fazem juntos as atividades domésticas. Na cena onde trocam presentes de natal, fica explícita a falta de afetividade, quando o menino entrega um desenho onde os dois são retratados distantes.
A única cena de sexo explícito ocorre entre Michael e uma mulher que conheceu durante sua viagem, na estação de esqui. O olhar do diretor nega a imagem da violência sexual, que fica apenas na periferia do filme. Em nenhum momento as cenas de abuso aparecem, porém estão claramente subentendidas. Os distúrbios de personalidade, a vulgaridade aparente do pedófilo e um crime, mantido em segredo e repetido de forma “bem sucedida”, tornam a história assustadora.
A partir da perspectiva do pedófilo, o diretor cria uma obra autêntica, que se desenrola lentamente através de cenas mudas, sem trilhas, onde a ausência de diálogos não interfere na qualidade e na compreensão da história. Criando um grande contraste com o drama, a única música presente no filme é Sunny, de Bobby Hebb. O tema, bastante animado, aparece somente em uma cena em que Michael dirige seu carro, e depois nos créditos finais. Vendo o protagonista cantando feliz em seu carro, a faixa dá a ideia de casualidade e ausência de culpa: “[...] Dia ensolarado, você sorriu pra mim e realmente aliviou a dor; os dias de escuridão se foram e os dias claros estão aqui [...].”
O longa deixa o espectador inquieto pela frieza com a qual trabalha o drama. Ao mesmo tempo, não faz julgamento de Michael, apenas encara como um “fato da vida”. Michael, indicado no ano passado ao Prêmio do Cinema Europeu e vencedor do Prêmio Max Ophüls de melhor filme e melhor ator ao protagonista Michael Fuith, abre nossa consciência para uma realidade que não nos é comum, despertando nossa curiosidade para esse filme excepcional.
Michael - IMDb
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