segunda-feira, 1 de outubro de 2012

TODAS AS MARIAS

No Brasil, duas cantoras permanecem sondando o imaginário popular há quase cinquenta anos, com a força dos ícones e a partir da dificuldade de se forjar novos ídolos. As duas respondem, lá do batismo, pelo nome de Maria. As duas, baianas. As duas, participantes ativas das pequenas subversões de que a música brasileira foi capaz de engendrar com perspicácia desde a década de sessenta.

Bethânia

Maria da Graça (hoje definitivamente Gal Costa) e Maria Bethânia têm incontáveis traços em comum: as parcerias com Caetano e Chico, as fases rebeldes, os momentos regionalistas, o mau gosto dos anos oitenta, os ares ainda insistentemente tropicalistas. Este ano, novamente, as Marias divulgaram álbuns, ambos intrigantes: Maria Bethânia, com seus Oásis de Bethânia (2012), vocifera desta feita alguns impropérios, com o gosto que tem adotado desde o magistral Brasileirinho (2003), que passou pela migração para o selo Biscoito Fino e que ainda demonstra vitalidade. Já Gal Costa, mais irregular nesses últimos anos, faz tentativa quase-eletrônica-quase-rock com as composições de Caetano e a vontade do baiano de ler a música contemporânea - e o resultado é o álbum Recanto (dez. 2011).

Gal
Em Bethânia, o que se escuta é sempre um refinamento dos tons brasileiros e da pesquisa do popular. No Oásis..., a cantora passeia por fados - desde a primeira faixa, a dolorosa Lágrima -, retoma um metafórico Rio Chico em Velho Francisco - "Vida veio e me levou" - e chega à malcriada Carta de Amor, canção-resposta pós-críticas ao famigerado blog, cujo recado é direto: "Não mexe comigo/Que eu não ando só".



Em Gal, a tensão se dá menos pela forma e mais pelo tecido melancólico das letras de Caetano Veloso. Gal, como sempre, responde à altura e resolve "dizer" muitas das letras: a primeira faixa, Recanto, tem início com uma frase prototípica do que se ouvirá, "Eu venho de um recanto escuro", acompanhada de programação minimalista. No quase-rap Neguinho, a cantora brilha, num fio de voz niilista. Já em Tudo Dói, a brincadeira com o autotune parece apontar para a anacronia: "Viver é um desastre que sucede a alguns".



No saldo final de tudo trata-se menos de louvar este acerto, esse erro, aquele deslize. Ao que parece, o recado das sexagenárias tropicalistas refere-se à força de sua obra e, para além da tradição, para a capacidade de ambas de reinventar "paixões fevereiras",  genipapo-absolutas.

Valem as audições.

Maria Bethânia - iTunes
Gal Costa - iTunes

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