terça-feira, 6 de novembro de 2012

CÁSSIO BRANCALEONE: CINEMA ENGAJADO & AFINS

Por Andrei Vanin 

Para entrar no clima da Sessão do Cinema e Saberes de sábado, dia 10 de novembro, que exibirá Terra e Liberdade e Uma Canção para Carla, do diretor Ken Loach, o Sines foi entrevistar o sempre camarada professor Cassio Brancaleone, o debatedor da Sessão. Para dar aquele friozinho na barriga e entender o que rola, vale conferir a entrevista: 

1) Você poderia precisar em que momento histórico surgiu a expressão ou definição de “arte engajada” e qual o objetivo desse conceito / movimento? 

Primeiramente seria interessante expressar o que se pode entender por “arte engajada”. De algum modo, me parece que as chamadas “vanguardas artísticas” do início do século XX abriram as primeiras reflexões mais contundentes que pendularam entre as dimensões (e usos) políticos da arte e o envolvimento de artistas no campo das lutas sociais. Por sua vez, o realismo socialista e a arte soviética que se consolida no pós-1917 alimentam uma visão instrumental da arte como ferramenta político-ideológica que deve servir à emancipação da classe trabalhadora (naquele contexto entendido como a reprodução do regime político que falava em seu nome). Mas o termo engajamento, tal como difundido correntemente, sem dúvida remete a Jean Paul Sartre e ao contexto cultural e sócio-político dos anos 50 e 60. Na Europa, sobretudo, isso entrava em virtuosa sintonia com o complexo processo de contestação geracional e estudantil que desaguou nos episódios de 68, que buscava colocar em xeque o modelo de organização social patriarcal-assalariado-burocrático-hierarquizado baseado no fordismo. Na América Latina e no mundo africano e asiático, a arte engajada foi ao mesmo tempo a manifestação estética e fio condutor cultural dos processos de descolonização, de luta de libertação nacional e de superação dos regimes militares nitidamente vinculados ao capital estrangeiro. De todo modo, no centro ou na periferia do capitalismo, falar em “arte engajada” era um modo de evocar as estreitas e (contraditórias) vinculações entre cultura e política, situando o artista e a sua linguagem em um campo de luta onde não parecia possível ser neutro ou desinteressado. 



2) Você vê alguma relação (se existe) entre a arte engajada e Sartre e de como Sartre delimita e se refere a esse conceito de engajamento para o papel dos intelectuais na sociedade? 

Creio que parte da resposta a esta questão foi apresentada acima. Complemento apenas: Sartre parece ter uma visão muito clara e incisiva sobre o papel social e político dos intelectuais (e isso é algo que transcende o existencialismo e, pode-se considerar quase como um “espírito de época”). Justamente pela posição privilegiada que ocupam no âmbito da divisão social do trabalho, os intelectuais são aqueles atores que podem se dar ao trabalho de formular questões e ideias complexas sobre a vida social em suas mais diversas esferas. Representam a instância crítico-reflexiva das sociedades modernas, e nesta condição, possuem as “ferramentas” (os “gládios espirituais”, diria Marx) que são indispensáveis para qualquer processo de condução racional e auto-orientado de mudança e transformação social. O intelectual não pode omitir a “verdade” da exploração, da opressão, da dominação, etc. Claro que, entre não omitir a “verdade” e fazer dela uma “causa militante” do ponto de vista prático, existe uma abismo infinito de possibilidades. 

3) No Brasil, se observou e se observa movimentos que lutam por uma arte engajada? 

Sem dúvida. Ainda que não se possa reduzir todos eles ao “rótulo sartreano”, os anos 50 e 60 no Brasil foram muito ricos em termos de experiências de interlocução criativa e militante entre arte e política. Os exemplos são muitos, mas refratários a qualquer tentativa de uniformização: do CPC da UNE ao teatro de Arena Augusto Boal e Vianninha, passando ao cinema novo com Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Rui Guerra, além de certas expressões da MPB que, se não encarnaram diretamente um projeto de engajamento visivelmente delimitado, contribuíram para a politização do/no cenário musical brasileiro. 

4) No cinema, a arte engajada consegue, na sua opinião, atingir os objetivos (se é que esse movimento tem), sejam políticos, ideológicos e se aproximar do público no geral? 

Adquirir existência e materialidade, por si, já é atingir um objetivo para qualquer ação do campo artístico que se quer ou pensa engajada. E no caso do cinema em especial, os efeitos são muito menos previsíveis e imediatos. Pode parecer (e é) paradoxal: não se “politiza” um assunto/tema simplesmente massificando-o, mas não se pode prescindir de “algum público” se se quer provocar e desencadear certas reações e desdobramentos. 

5) Para finalizar, o que esperar do Ken Loach e do seu debate no sábado? 

Não posso fazer previsões sobre o debate, que, invariavelmente, dependerá dos interesses, inquietações e percepções dos participantes. Porém, posso afirmar, sim, que estará em “cartaz” um dos mais importantes e valiosos trabalhos já realizados por Ken Loach (me refiro a “Terra e Liberdade”), não apenas por seu “valor político” mas também por sua qualidade narrativa e estética.


Em tempo: Sines aproveita e agradece muito o professor Cassio pela qualidade do papo virtual.

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