sábado, 6 de novembro de 2010

A culpa do padre - sobre vampiros e redenção

Por Daiane L. da Rocha Nawroski, acadêmica da segunda fase do curso de Filosofia, UFFS-Erechim

O diretor sul-coreano Chan-Wook Park é também roteirista e produtor. Formado em filosofia na faculdade de Sogang, ganhou diversos prêmios, como o Golden Kinnaree, como o melhor diretor no Bangkok International Film Festival, por Oldboy e Lady Vengeance. Já 2004, ganhou o Grand Prix no Festival de Cannes, novamente pelo filme Oldboy. No ano de 2005, foi a vez de ganhar o prêmio Cine Awenire Award do Festival de Veneza, por Lady Vengeance. No festival de Cannes de 2009, ganhou o premio do Júri, pelo filme Sede de Sangue (Bak-jwi).

Sede de Sangue
Com duração 133 min, a película Sede de Sangue traz como atores principais Song Kang-ho (Sang-Hyeon) e Kim Ok-vin (Tae-joo). Narra a história de um padre já cansado de ver tantas pessoas queridas mortas, que resolve ser voluntário para testes de uma vacina contra um vírus mortal e acaba sendo infectado e através de uma transfusão, tornando-se um vampiro: Sang é infectado pelo vírus chamado Emanuel, necessitando de uma transfusão de sangue. Neste momento em que recebe sangue de um estranho, é contaminado e torna-se um vampiro, tendo os seus sentidos aguçados. Sendo o único sobrevivente de 500 voluntários, é considerado um homem santo para os fieis da cidade onde vive. Não vendo alternativa, se alimenta de sangue de pacientes do hospital.
O gênero do filme é de terror, mas podemos perceber que também envolve drama, romance e suspense. O ponto alto da narrativa se dá no momento em que Hyeon reencontra uma velha conhecida, Tae-joo, sentindo por ela uma forte atração, entrando em conflito consigo. Ela, por sua vez, é uma jovem casada, que não crê em Deus, insatisfeita com vida que leva, tentando constantemente fugir. Vê no padre uma maneira de mudar de vida. Sang acaba se rendendo “as tentações da carne”, e se relaciona com Tae-joo.
No momento em que ele começa a deixar-se envolver por Tae-joo, coloca de lado todos os seus princípios morais e religiosos, passando a fazer tudo o que julgava ser “pecado” para um religioso. Fica perdidamente apaixonado por sua amante, a ponto de matar o marido de Tae-joo, seu amigo de infância. Consequentemente, Hyeon sente-se culpado pelo acontecido, rebelando-se, largando a batina e a sua vida religiosa, tendo que morar na casa da Senhora Ra. Com a consciência pesada, Tae-joo e Sang-Hyeon passam a ter constantemente alucinações com o falecido, não tendo mais paz em suas “vidas”.
A partir deste período, os dois começam a ter constantes brigas, e ela mais uma vez fica insatisfeita sexualmente, pois Hyeon não consegue mais manter relações sexuais. Por sua vez, Tae-joo começa a sair com outros homens, provocando a ira do ex-sacerdote que, em uma discussão, descobre as mentiras da garota, que o faz perder a cabeça a ponto de matá-la. Com a amada em seus braços morta, Sang sente remorso. Para “ressuscitá-la”, a torna em uma vampira.
A vampira torna-se má e cruel, com sede de sangue, matando por diversão, diferentemente do ex-padre que para saciar a sua fome, bebe sangue do hospital sem matar ninguém. A loucura dela é tamanha que chega ao ponto de matar seus amigos de jogo, quando eles desconfiam que fossem os amantes que mataram o filho da Senhora Ra. O ex-padre, não vendo outra saída para acabar com as maldades de Tae-joo, decide por um fim na “vida” da amada: indo ao encontro da morte, os dois acabam morrendo abraçados ao sol.
Brilhantemente, Park Chan-Wook dirigiu o longa-metragem Sede de Sangue. Com suas peculiaridades, é um filme de terror, mas com pitadas de romance, drama, e suspense. Como destaca Marcelo Hessel, (1)em sua crítica sobre o filme:

O que Sede de Sangue (Bakjwi) tem de melhor é uma inconsequente oscilação entre gêneros. A cada meia hora, pelo menos, um ganha a vez, sempre escoltados por humor negro, sangue e estilização: drama, depois romance, suspense, surrealismo, suspense de novo, drama e romance de novo.

Park, como filósofo, parte da premissa de Platão, no que diz respeito à morte retratada no filme: Sang-Hyeon (Song Kang-ho), em sua oração no monastério, faz lembrar o que Símias, em Fédon (2), relata sobre a morte para os filósofos, que “os que praticam verdadeiramente a filosofia se preparam para morrer”. A oração é uma espécie de preparo a morte para o padre, pois ele acreditava que não sairia vivo de lá.
A película nos deixa com a impressão certa do que irá acontecer na próxima cena, quando repentinamente, ele toma um rumo inesperado: é o caso da cena em que Tae-joo, logo após ter iniciado o ato sexual com Sang-Hyeon na loja, é chamada pela sua sogra, que ao encontrá-la, desfere um tapa em sua face, fazendo crer que ela havia descoberto o que ocorreu na loja. Outra ocasião é quando Tae-joo, fala com sua mãe que esta cansada da vida que leva, mais uma vez induzindo-nos ao erro de pensar que ela iria se rebelar e ir embora. Mas então, ela comenta que quer ser voluntária no hospital, aos domingos.
Tae-joo é uma mulher que inicialmente, parece-nos sensível e frágil, com os seus pés sempre feridos, sendo incapaz de fugir do pesadelo onde vive muito menos fazer algum mau. Mas com o decorrer do filme, após ter conquistado a sua suposta liberdade, vimos que por de trás da sua ingenuidade, mora uma mulher cruel, manipuladora, dissimulada, capaz de matar apenas por diversão.
Os vampiros Sang-Hyeon e Tae-joo não apresentam em momento alguma palidez, sendo donos de uma beleza inconfundível: ele é uma criatura que vê sua própria imagem refletida no espelho, tendo inclusive alucinações após ter matado o marido da amante - de uma forma diferente dos demais filmes visto até então.
Outro ponto que pode ser visto no filme de Park é a luta que Sang-Hyeon, consigo mesmo: matar para saciar o seu instinto ou seguir as regras divinas, nos fazendo lembrar uma das máximas de Nietzsche (3), que diz: “Não é somente nossa razão, mas também nossa consciência que se submete a nosso instinto mais forte, aquele que é o tirano em nós”.
Apesar de ter sangue jorrando e algumas cenas de sexo, o longa-metragem é uma excelente opção para se refletir sobre valores, sobre a vida e a morte, e também sobre o que a paixão por uma mulher é capaz de provocar na vida de um homem. E principalmente sobre a dualidade desejo e culpa que envolve nossos atos.

Sede de Sangue - trailer


(1) HESSEL, Marcelo. Critica: Sede de Sangue. Disponível em: <http://omelete.com.br/cinema/critica-sede-de-sangue/>. Acesso dia: 24/09/2010.
(2) PLATÃO. Fédon – Diálogo sobre a alma e a morte de Sócrates. São Paulo: Martin Claret. 2002. 151p.
(3) HIETZCHE, Friedrich. Além do bem e do mal – Prelúdio de uma Filosofia do futuro. Tradução Antonio Carlos Braga. São Paulo: Escala. 2007. 218. p.

Um comentário: