quinta-feira, 12 de abril de 2012

UMA TARDE COM SARAMAGO E PLATÃO

Por Gerson Egas Severo

Em 2000, último ano do denso, tenso, intenso século XX e último ano da intensa, tensa, densa década de 1990, anos de auge do capitalismo em seu momento (assim chamado) neoliberal, o escritor português José Saramago pô-se a fazer o que fazem os escritores: buscou compreender o mundo em que vivia. Para isso, concebeu o livro “A caverna”, uma representação literária do Mito da Caverna, a célebre alegoria criada por Platão em seu “A República” (intertextualidade pouca é bobagem...). Tal obra – tais obras... - será assunto do projeto Partilhando Leituras/ Sinestésicos no próximo sábado, dia 14 de abril, na Universidade Federal da Fronteira Sul.

José Saramago, a função-autor do Partilhando Leituras deste sábado

Você conhece, não conhece?, o Mito da Caverna... No conhecido capítulo VII de “A república” (bem como em “Timeu”, e também em “Fédon”), Platão apresenta sua teoria das ideias, afirmando que as ideias seriam, elas mesmas, o próprio objeto de todo conhecimento intelectual, constituindo a realidade metafísica – aquela existente além do mundo físico. Essa realidade metafísica, à qual um dia os seres humanos pertenceram (portanto todo conhecimento seria necessariamente memória, reminiscência, nunca conhecimento novo), constitui a sede das ideias, o lugar por definição do conhecimento racional e científico. É um mundo inteiro, à parte, com existência autônoma: o mundo das ideias, que se opõe e dá origem ao mundo das sensações, ou mundo sensível – o mundo a que estamos habituados, o mundo “normal”, de todos os dias, o mundo que todos conhecemos. Este outro mundo, onde estaríamos aprisionados, sem consciência da existência do mundo das ideias, é o lugar das sombras, dos juízos de valor. Lá, episteme; aqui, doxa. Para melhor ser compreendido, Platão criou uma alegoria, que em elaboração própria goes on like that:

Imagine um grupo de pessoas. Essas pessoas representam a humanidade inteira. Elas vivem no interior de uma caverna muito escura e úmida, e estão acorrentadas umas às outras pelo pescoço, os pulsos e os tornozelos. Estão, também, todas voltadas para o fundo da caverna, de modo que não podem enxergar a sua entrada. De fato, elas sequer sabem que há uma entrada. Julgam que a caverna é o próprio mundo. Desconhecem por completo a existência de um “fora da caverna”. Há uma fogueira junto à entrada, de modo que eles não estão totalmente no escuro: a fogueira lança alguma luz, muito pouco, no fundo da caverna, o suficiente porém para que a sombra de coisas que eventualmente passem pela abertura seja projetada na “parede” do fundo. A sombra de um cavalo, por exemplo, que passe pela entrada da caverna, aparece lá no fundo, nessa parede, por causa da luz da fogueira, e os prisioneiros acham, naturalmente, que a sombra do cavalo é o próprio cavalo. Eles tomam as sombras de tudo o que há como sendo as coisas elas mesmas. Estão iludidos, e vivem uma vida empobrecida. Um dia, porém, um deles (uma delas?...) consegue se desvencilhar das correntes e percebe a fogueira e a luz da entrada da caverna. Curioso, vai até lá e sai. A luz do sol cega-lhe a visão, em um primeiro momento – não devemos nos esquecer de que ele havia estado a vida inteira no interior da caverna, achando que ela era o mundo inteiro. Agora, acostumando-se aos poucos à luz do sol, fica maravilhado, extasiado mesmo, com tudo o que há no exterior da caverna. Árvores, animais, céu, nuvens, tudo! E a seguir, o que ele faz? Segue em frente? Não. Ele – que depois será tido como um louco - retorna ao interior da caverna. Ele deseja contar aos outros, quer que os outros saibam que o interior daquela caverna não é tudo o que há, e sim apenas... o interior, úmido e escuro, de uma caverna. E que tudo o que há é muitíssimo mais, infinitamente mais!

E então: de que é que se trata, isso? Platão está falando de filosofia? De educação? Educarmo-nos é alcançarmos a consciência de que vivemos em uma caverna? Estará falando de (em termos modernos) alienação? Desalienarmo-nos é empreender o esforço de sair da caverna? Será que em Saramago Platão encontra Marx?

Já vou avisando: se ninguém perguntar, eu, que irei mediar as impressões de leituras partilhadas pelo Cristiano Carvalho e pelo Eloi Fabian, perguntarei (entre outras coisas): o que é que isso tudo tem a ver com o tal neoliberalismo? É possível que uma ideia elaborada em uma época tão remota como o século IV antes de Cristo ajude a iluminar (ainda que mediante algum tipo de reelaboração) uma outra época – no caso a nossa? Puxa...




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