segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Da série "Encontros transcendentes" - 2

Porto Alegre, nesse ano, pode assistir a uma montagem, digamos, icônica: um Samuel Beckett dirigido por Bob Wilson. Em questão, estava um dos textos mais acidamente ternos de Beckett, aquele "Happy Days" que, em terras brasileiras, foi montado com Fernanda Montenegro no papel de Winnie.

Happy Days - montagem de Bob Wilson


Pois usemos Bob Wilson - esse beat pós-modernizante da encenação teatral -como ensejo pra falar de Beckett, o mocinho secretário de Joyce que, do contato com o Nouveau Roman francês até a canonização literária, foi capaz de transcender o tempo e a espera, e permanecer, altivo, no cânone literário ocidental.

Inicio pelo Godot, a espera. "En attendant Godot" foi encenada ainda no final da década de quarenta - 48 ou 49, salvo engano - e, tomada de existencialista até parte do "Teatro do Absurdo" (com Ionesco e Arrabal, Beckett é a "tróica" dos absurdetes); o texto narra não mais que uma espera e um Nada: Vladimir e Estragon, Didi e Gogo, clownescamente olham para o devir, às voltas vezenquando com um tânatos pungente: "E se a gente se enforcasse?". Tragédias narrativas à parte, o simulacro ganhou contornos derradeiros justamente no Brasil- foi esperando por Godot, esse Nada  & Deus, que Cacilda Becker morreu em cena.

De Godot, salto para "Os Dias Felizes", motivo desse post. Winnie também espera, enterrando-se - literalmente, pois Beckett é uma espécie de Magritte do texto e da cena. E amiúde procura uma ausência de sentido pra permanecer viva: "Começa. Começa seu dia, Winnie". Envelhecida e patética, Winnie é o próprio discurso beckettiano, epigrafado no "Malone Meurt" (traduzido no Brasil pelo morrente Paulo Leminski): "Logo enfim estarei bem morto apesar de tudo".

Assim, apesar de tudo e da temporalidade, e da ausência de experiência, e dos caóides e dos blás e "trololós" (nesses tempos de segundo turno), Beckett ainda permanece, nevralgicamente, indispensável.

Sim!


Happy Days - Revista Bravo

Play - video baseado na peça homônima


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