domingo, 10 de outubro de 2010

Infância e história(s)

Por Gerson Fraga

Quem nunca viu uma criança começar a andar? A dar seus primeiros passos, inseguros, sujeita a quedas, choros e hematomas? Quem nunca viveu aquele momento sublime de sentir uma mãozinha se desprendendo da sua, erguendo os braços à frente, buscando apoio em algo enquanto os pés ensaiam três ou quatro passos incipientes que depois se transformam em um sorriso de vitória ao mesmo tempo largo e ingênuo?
 Pois na tarde de ontem, o campus de Erechim da UFFS pode presenciar uma cena assim. Não era, neste caso, uma criança no sentido exato do termo (muito embora os jardins de nossa sede provisória sejam lugares muito agradáveis para exercícios de tal tipo), mas de algo que, ao ensaiar os seus primeiros passos, buscou fazê-los já com certa firmeza, com certa coerência e com uma direção bem definida. Foi com este sentimento que na tarde deste sábado vimos o projeto cultural "Sinestésicos: arte, cultura & comportamentos altissonantes dar seus primeiros passos diante da comunidade.

"Da seresta aos festivais", a estréia do "Sinestésicos"
Para tanto, chamamos à mesa dois jovens pesquisadores para que expussem seus trabalhos: o Francisco Cougo (Chico) e o Leandro Costa, ambos graduados em História pela FURG, lá no outro lado do estado. O Chico, trouxe na bagagem seu apreço e seu trabalho de mestrado, já defendido de forma brilhante, sobre o Teixeirinha. O Leandro, que também é músico, sacou de sua mala de garupa os festivais universitarios de música realizados em sua Rio Grande natal na década de 1980 e, de quebra, falou um pouco sobre suas experiências pelos salões de baile desta vida canhestra. Enfim, uma tarde onde, ao rigor acadêmico, procuramos juntar a leveza da música.
Mas... Teixeirinha? Ainda por cima, aliado a músicos completamente desconhecidos em qualquer cenário? A resposta é: sim! E nisto vai um dos caminhos que orientam nossos primeiros passos nesta caminhada: se queremos promover a aproximação da comunidade com uma produção cultural de qualidade, marcada pelo rigor acadêmico, também queremos que esta aproximação provoque o desconforto e a reflexão. Foi o que fizeram nossos convidados, ao questionarem os conceitos de "popular" e a forma com que se estabelece o mercado musical; ao nos mostrarem que o conhecimento não precisa e não deve fundamentar-se apenas sobre o que é socialmente legitimado, pois mesmo esta legitimação envolve relações de poder e dominação social. Através de Teixeirinha e dos festivais, fomos levados a pensar sobre um tempo próximo, um tempo que também é nosso, que se faz próximo e ainda molda nossa forma de viver. Ouvimos canções permeadas pela temática do "trabalho" e, assim, nos colocamos de forma crítica e auto-crítica diante de nosso próprio trabalho. E também do trabalho de nosso semelhante.
Nos depararmos com o desconhecido e o "não legítimo" na arena de conversa é algo que nos inquieta, que nos faz remexer na cadeira e questionar nossos próprios valores.
As cerca de 60 pessoas que se fizeram presentes (vencemos o feriadão!!!) viram duas falas engajadas, pensando novos caminhos e objetos de pesquisa. Com a densidade e o rigor exigidos pela ciência, mas com a coragem inovadora própria da juventude. Foram passos que não choveram no molhado, falando sobre coisas já feitas e sabidas; mas que fugiram do lugar de conforto do academicismo auto-reprodutivo.

"Da seresta aos festivais": vence-se um feriadão?
Foram nossos primeiros passos. Outros virão, e já na próxima semana, chamaremos Nelson Rodrigues à mesa. Nelson, que como Teixeirinha ou outros anônimos, costumava incomodar o que se queria bem comportado, certinho e em seu lugar.

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